Ribamar Bernardes

deus


a allen ginsberg

 

aqui começa nova vida

menos sofrida

mais entorpecida

mais enrraivecida

menos cabisbaixa

vê como tudo se encaixa nesta nova senda

acende um cigarro

comemore

quem dorme perde a madrugada

eu não

escrevo com carvão na calçada

meu nome  codinome  e  sobrenome

sobre os ícones do passado

ou restos do nosso império

ou restos de nossa comida apodrecida

este poema é sério

é conversa íntima com deus

meus dentes estão negros de nicotina

minha barba imunda

meu cabelo afunda

no mar do esquecimento hippie

levanto antes dormir

pois tenho de ir 

à casa dos fantasmas paranóicos

para com meu gesto heróico

os livre do pânico da morte

ó deus diga-me a verdade

aqui no meio desta maldita calamidade

no centro da cidade

no centro de toda a maldade...

carrego o verde em meus bolsos furados

para mim não há mais pecado

carrego também o falerno

visto meu velho terno

sigo até o penhasco e desafio a sorte

gostaria de fazer um poema simples

como os de mario quintana

mas não posso

a menina é profana

gosta do gosto da embriaguês

talves por pura catatonia

talvez por pura hipomania

talvez tenha esquecido de tomar seu haldol

talvez simplesmente esteja carente

e não gosta do sol

não sei

essa menina não é minha

vive no meu sonho

na minha quimera

no meu luxo de primavera

no meu poema que não existe

vê se não insiste

eu sei é tudo devaneio

estou perdido bem no meio

de tudo à espera do caminho

a me guiar para o absurdo

não sei porque faço o que faço

contemplo o iguaçú e me embaraço

logo o dia vai nascer

também me embaraço

deus ?  onde esta você ?

já que você não me vê

vou com meu atomóvel verde

e uma caixa de cerveja

buscar meu amigo poeta

juntos beberemos em alta velocidade

e veja:

quando a cerveja acabar

beberemos o falerno

que ia levar para aquela menina

ela não existe

o que existe é a tecla doente e triste

da minha máquina de escrever

elaborando sonhos doces e suculentos

às cinco horas da manhã

celebrando a vida amarga e barata 

às cinco horas da manhã

matando a traça que me rasga

às cinco horas da manhã

entregando moedas a quem não me paga

às cinco horas da manhã

bebendo o sangue das putas

às cinco horas da manhã

da manhã

de amanhã

de todos os dias

como dejetos jogados da pia

ressuscitando no lodo dos esgotos

vai acenda um cigarro assim mesmo

mesmo estando com os cotovelos rotos

acende  acende o cigarro

depois deita o escarro

na porta das casas santas

depois muito bêbado

canta a cantiga antiga

dos que não dormem

dos que escrevem poemas

às cinco horas da manhã