Ribamar Bernardes

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lídia

lídia

 

ei lídia!

fecha a cortina

meus olhos estão sangrando

eu sei hoje é terça

dia de tirar a cabeça da gaveta  mas

meus olhos estão sangrando

ei lídia!

faça uma gemada para mim

estou com fome  uma fome sem nome

é só bater umas gemas

com açúcar

vamos lídia me ajude

se lembra quando a encontrei na calçada?

trouxe você para minha casa

a tratei como anjo de asa quebrada

fiz sua comida

velei seu sono

você sabe que não a amo

mas você é minha vida

você sabe

inveteu o jogo

jogou água no meu fogo

agora você dita as normas

e  normas são surdas

são mudas

são retrato da decadência

são o fim de qualquer discurso eloquente

é coisa da ciência a norma

a norma

escandaliza o louco

venera o indivíduo errado

o indivíduo fútil tributável

bom marido bom pai bom amigo

(tudo na hora certa

porque na verdade sua mão é deserta

é um deserto de sentimentos

e segue normal o lamento falso  fora da estação)

querem que você seja

bom empregado bom esterco bom arado

por isso tudo vamos lídia

esqueça todo esse absurdo 

estou com fome de anteontem

faça uma gemada para mim

eu sempre lhe digo sim

vivo arrastando meu corpo nos espinhos do jardim

implorando pelos restos de sua atencão

como bom cão farejo suas pegadas

elas me levam ao vazio ao nada

porque não sei lídia meu amor

não sei o que se passa na sua cabeça esquizofrênica

nem a que deus você obedece

não sei nem se você acredita no seu deus

não sei vírgula sobre a sua mão que adoece

olhos vistos

encontrei na rua com sua face quebrada

no início você era meiga

acendia meus cigarros 

servia meus vinhos

depois ficou taceturna

em toda a parte diurna 

do dia 

depois foi toda a noite

com aspecto pálido

seu corpo se arrastava pelos carredores sombrios 

de nossa morada

ei lídia vamos?

as orquídeas que trouxe para você

estão mais belas e as borboletas

esquálidas e donzelas

nos convidam a cravar

nosso cajado nessa terra úmida

vamos lídia uma gemada

a encontrei na calçada lembra?

meus olhos estão sangrando

e não há nada neste vale que 

que cale minha pena

sou poeta ouviu lídia?

mais sou poeta maldito

admiro o grito dos profanos do precipício

não admiro choro de criança nua

porque chora lidia?

ficou aí não fez nada nem minha gemada

e agora chora lágrimas...

lágrimas de sangue

lídia o que te acontece?

estamos os dois sangrando

assim a nossa vida desaparece

é preciso estancar esses cortes

é preciso evitar mortes

é preciso ir correndo ao hospital

vamos lidia onde esta a chave do carro?

acendo um cigarro   deliro...

queimo toda as minhas liras na fogueira

quebro ventiladores rasgo coberores

destruo o interfone a televisão

acho que não mas tudo conspira

respira esse ar estrangulado e percebe

estamos morrendo lídia

esqueça tudo  enlacemos as mãos

ficaremos aqui no meio da sala

até vir o perdão  até o corpo ficar seco por inteiro

para depois lídia

nos amarmos novamente