Ribamar Bernardes

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não e não

não e não

 

 

não escrevo porque quero

escrevo por impúlso

meu pulso esbraveja de medo

e veja:  não bebo mais cerveja

acordo cedo e namoro a alvorada

são instantes em que não quero mais nada

talvez não

na dúvida umideço meu olhar

um choro de alegria

por ter sido forte

não ter aceito a covardia

me escondi na letargia das aves bêbadas

como montanha

resisti

por noventa e nove meses

e o que me comove

foram as vezes

que sofri quieto

produzindo meu doce

manifesto

daqui das profundezas

do meu 

desvairio

não me alimento mais de desgraça

o que passa  passa

o que fica  martiriza

agoniza nos fundos escuros

do pescoço lívido

trêmulo de dores

naveguei pelos horrores

encontrei novos amores

e

a sangria

tem recomeçado...

vago pela chuva rala

acompanhado por insetos tímidos

declamando elegias

aos ouvidos cortados do século

esculpindo caminhos

para os devalidos do século

o século está doente

meu impulso diz que tudo está por um triz

são tardes grís

a sufocar

o calor do sábado

do sábado teimoso e ocioso

cheio de poemas insanos num país suburbano

cheio de pus e cólera

num país onde as migalhas são assassinadas

por homens de terno

mas trago meu falerno

e bebo num gole

como se fosse inseticida

como se afinal de contas

a vida não fosse boa

como acriditar que o poema não voa