Ribamar Bernardes

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pedaços de cabeça na dor pontiaguda

pedaços de cabeça na dor pontiaguda

a Maikol Domit e família

 

 

há um pedaço de dor em minha cabeça

e hoje nem é terça feira

hoje nem compri a terça parte do dia

mas há 

há um pedaço de horror

em minha cabeça

talvez cinquenta gramas

talvez dez decilitros

mas há

talvez nada

apenas dor

talvez tudo

um tumor

mas o terror de pensar

na própria morte

não mastiga meu norte

sei muito bem onde devo ir

sei muito bem quando partir

sei chegar cedo ao jardim (e ser feliz)

sei espionar a vida secreta (dos colibris)

mas do fundo do fundo

do fundo do abismo mais profundo

não sei de coisa alguma

estou confuso e não tenho chance

não tenho chance nenhuma de vencer a solidão

(dos meus versos)

eles existem  eu não

 eles subsistem os meus versos

apesar de serem

inválidos  calados  esquálidos

que alegria é

poder escrever versos!

mesmo sendo triste manifesto

mesmo invejando fernado pessoa

em sua descolorida lisboa

eu também estou à toa

no vale verde vivendo

voando  vendo

a poesia dos canários ao amanhecer

mesmo não sabendo de coisa alguma

sinto coisa estranha solavancar o peito

é sensação

mas não devoção

a esses doutores da lei

que no direito de sua posição esmagaram com pés sujos

as belas flores de nosso esquecido canteiro

há! se eu fosse mais ligeiro

dava pancadas nos rins

desses pensadores

em nome de alberto caierio

mas o que corrói

aos poucos

e depressa destrói

a maldita dor

num pedaço da cabeça

diante das enegrecidas paredes

do meu aposento

onde levanto e sento

na angustia de um homem letrado

num mundo que parece

não mais precisar de letras

e letras formam palavras

que formam versos

que formam poemas

que formam poesia

desde o começo da sete de setembro

até o fim do jardim roseira

para que eu plenamente exista

e jamais minta

quando me perguntarem

qual é minha profissão

sou ancião

 estou preparado para a morte

talvez ela inverta meu norte

talvez seja uma questão de sorte

já passei do tempo em que sabia alguma coisa

coisa alguma agora eu sei

vou embora porque apesar de tudo ainda sou o rei

rei das palavras ociosas

sou poeta

acho que na vida

o resto

nada presta