pedaços de cabeça na dor pontiaguda
a Maikol Domit e família
há um pedaço de dor em minha cabeça
e hoje nem é terça feira
hoje nem compri a terça parte do dia
mas há
há um pedaço de horror
em minha cabeça
talvez cinquenta gramas
talvez dez decilitros
mas há
talvez nada
apenas dor
talvez tudo
um tumor
mas o terror de pensar
na própria morte
não mastiga meu norte
sei muito bem onde devo ir
sei muito bem quando partir
sei chegar cedo ao jardim (e ser feliz)
sei espionar a vida secreta (dos colibris)
mas do fundo do fundo
do fundo do abismo mais profundo
não sei de coisa alguma
estou confuso e não tenho chance
não tenho chance nenhuma de vencer a solidão
(dos meus versos)
eles existem eu não
eles subsistem os meus versos
apesar de serem
inválidos calados esquálidos
que alegria é
poder escrever versos!
mesmo sendo triste manifesto
mesmo invejando fernado pessoa
em sua descolorida lisboa
eu também estou à toa
no vale verde vivendo
voando vendo
a poesia dos canários ao amanhecer
mesmo não sabendo de coisa alguma
sinto coisa estranha solavancar o peito
é sensação
mas não devoção
a esses doutores da lei
que no direito de sua posição esmagaram com pés sujos
as belas flores de nosso esquecido canteiro
há! se eu fosse mais ligeiro
dava pancadas nos rins
desses pensadores
em nome de alberto caierio
mas o que corrói
aos poucos
e depressa destrói
a maldita dor
num pedaço da cabeça
diante das enegrecidas paredes
do meu aposento
onde levanto e sento
na angustia de um homem letrado
num mundo que parece
não mais precisar de letras
e letras formam palavras
que formam versos
que formam poemas
que formam poesia
desde o começo da sete de setembro
até o fim do jardim roseira
para que eu plenamente exista
e jamais minta
quando me perguntarem
qual é minha profissão
sou ancião
estou preparado para a morte
talvez ela inverta meu norte
talvez seja uma questão de sorte
já passei do tempo em que sabia alguma coisa
coisa alguma agora eu sei
vou embora porque apesar de tudo ainda sou o rei
rei das palavras ociosas
sou poeta
acho que na vida
o resto
nada presta